Postagens recentes

10/recent/ticker-posts

Um deus anda pela floresta

Um deus anda pela floresta
Mauro William Barbosa de Almeida*
Tanto a floresta como os rios são habitados por muitos seres. Há paus diversos – árvores com âmago –, cipós, palmeiras. Há animais predadores ou feras e há caças que são anta, queixada, porquinho e veado. Há animais com ciência, como o tamanduá que escapa de qualquer saco. Também são habitantes da floresta seres normalmente invisíveis, os encantados – entre eles os indiozinhos que habitam o fundo das águas em aldeias submersas e de vez em quando carregam crianças pequenas para morar com eles por algum tempo. Há Mapinguari e Batedor. E há o Caipora, descrito como Dono da mata e às vezes como mãe das Caças – senhor ou senhora dos animais silvestres, pois, para começar, o gênero de Caipora sempre foi ambíguo ou indefinido. Caipora é o responsável pelos animais silvestres e, principalmente, pelos animais de caça. É um ser da mata que trata dos bichos baleados por caçadores, conta quantos animais existem de cada qualidade, pune abusos.
A pergunta “Caipora existe? ” Não tem resposta simples, da mesma maneira como não é simples a resposta sobre a existência de entidades cujos efeitos estão difusos em inúmeros aspectos da vida cotidiana. É como esses entes que “todo mundo sabe que existe mas ninguém não vê”– como para nós são vírus e elétrons. Há caçadores que nunca toparam com ele, assim como há caçadores velhos que nunca toparam com uma onça, apesar de saber que elas existem pelos indícios do que ela faz. Caipora é vulto ou sombra que não deixa rastro.
Mas todo caçador sofre os efeitos de sua ação. Até mesmo caçadores muito experientes perdem-se às vezes na mata, voltam para casa com o corpo e as roupas rasgados por espinhos, com marcas de açoite, tomado de medo. Cães de caça, mesmo os mais valentes, voltam da floresta ganindo, como se tivessem levado uma surra. Um seringueiro que deixava tabaco para agradá-la toda sexta-feira esqueceu um dia do pacto e desde então nunca mais matou caça. Pois Caipora castiga com panema aqueles caçadores – humanos ou cães – que vão à floresta em dias proibidos, ou caçam com abuso, ou quebram pactos. Todos esses eventos são evidências da presença de Caipora, em situações de medo, de susto e de respeito pela floresta.
Alguns seringueiros dizem que assim como no País tudo tem um responsável, Deus deixou o Caipora como o responsável pela floresta. Para outros seringueiros, concordando com os primeiros missionários, Caipora é um demônio. Outros dizem que é um ser da mata, um ente de um mundo que não faz parte nem do mundo dos prefeitos e presidentes, nem do mundo de Deus e dos santos. Caipora, nesse sentido, é um Deus ou Deusa da Floresta, a mãe dos Animais Silvestres.

Fonte: Almanaque Brasil Socioambiental (2008)

Postar um comentário

0 Comentários