Postagens recentes

10/recent/ticker-posts

Personagem - Tom Jobim (1927-1994)


Personagem - Tom Jobim (1927-1994)
Ricardo Arnt*
Tom Jobim é um valor precioso para uma cultura zonza entre as opções que não faz, como a brasileira.
De tudo o que se disse sobre a bossa-nova, elidiu-se que ela é uma estética ondulada pelo mar, emoldurada pelo horizonte e pela montanha, depurada pelo cenário solar do rio de Janeiro e moradora da geografia simbólica de um Brasil descongestionado, em um momento anterior àquelas transformações que Chico Buarque e Roberto Menescal resumiram em um verso emblemático de Bye-Bye Brasil: “Aquela aquarela mudou”. Ou seja, a bossa-nova também é "ecológica".
A obra de Jobim refrata uma educação dos sentidos temperada pela erudição musical e por uma experiência sensível ao sortilégio ecológico brasileiro. Como Dorival Caymmi ressaltou, Jobim sempre se destacou como profissional que assombrava o ambiente musical intuitivo de sua época pelo apuro técnico. Sem a competência culta de arranjador, maestro, violonista, pianista e flautista, jamais teria tido o reconhecimento que teve.
A intimidade com Debussy, Mozart, Ravel, Villa Lobos, Koellreuter, Radamés Gnatalli e os mestres do jazz projeta a obra de Jobim para além de uma cultura cartorial e patrimonialista que se dá ao luxo de ser indiferente à meritocracia. Ela conjuga a experiência de purgação da marginalidade, típica da música popular, com uma vitória do mérito que é uma aspiração universal reprimida no País.
Mas a excelência não basta para explicar a aparência jubilosa da forma. Para nós, há aí um apelo à natureza brasileira como sentimento de valor real, não virtual, como diferença consciente da sua potência enfraquecida, que Jobim – tão acusado de “alienação” por uma certa esquerda –, defendeu como arauto e projetou para a posteridade em discos como Matita Perê (73), Urubu (75) e Passarim (87). Toda sua obra destila afeto pela natureza brasileira, especialmente a da maturidade.
No Brasil, estetiza-se a natureza para compensar o desencanto com a cultura, mas poucos se interessam por uma cultura da natureza. A intimidade de Jobim com o artifício da música permitiu-lhe tomar a natureza como artifício para valorizá-la como poucos. Em sua obra desfila a identidade nacional que a turbulência e a leviandade desses tempos se empenham em denegar, tanto que “identidade nacional” virou conceito-lixo, totem do mau-gosto intelectual, a ponto de se esquecer que ela existe. A morte desse maestro que transmutava valores e conciliava cultura e natureza na clave de sol de Euclides da Cunha, Oswald de Andrade, Gilberto Freyre e Guimarães Rosa leva um pouco do melhor de nós – nosso tom perfeito.
Fonte: Almanaque Brasil Socioambiental (2008)

Postar um comentário

0 Comentários