Especialistas
destacam opressão e violações a direitos praticadas durante os 21 anos de
regime militar no Brasil
Cristiane
Sampaio
Este domingo, 1º de abril de 2018, marca
o aniversário de 54 anos do início da ditadura militar no Brasil. A data é
referência de uma memória marcada pela opressão e pelo capítulo mais traumático
da história recente do país.
Segundo dados da Comissão Nacional da
Verdade (CNV), que se encerrou no final de 2014, o número oficial de mortos no
Brasil durante a ditadura é de 434. Desse total, 210 foram considerados desaparecidos.
Mas a realidade da noite que durou quase
21 anos (1964-1985) vai muito além dos dados oficiais. Segundo o pesquisador
José Carlos Moreira da Silva Filho, da Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), muitos dos episódios de
violência não chegaram a ser catalogados.
“Existem algumas questões que ficaram em
aberto, que não foram aprofundadas, por uma série de razões, seja pela falta de
condições, de tempo, de interesse político ou até pela dificuldade mesmo do
fato”, complementa.
Segundo registros históricos, as
violações de direito foram as mais diversas no período: desde ameaças e prisões
arbitrárias até casos de estupro, sequestro, tortura e execuções sumárias.
Líderes sindicais, políticos e estudantis eram os alvos preferidos dos
ditadores, que temiam o contraponto e as denúncias de violações.
Mas outros grupos também foram
atingidos. É o caso dos indígenas. Apesar da ausência de estatísticas seguras,
a CNV estima que, pelo menos, 8.350 mil deles tenham sido mortos em decorrência
da ação direta de agentes governamentais ou da sua omissão.
O presidente do Movimento Justiça e
Direitos Humanos, Jair Krischke, explica que os assassinatos estavam
diretamente relacionados à resistência diante da construção de estradas que
avançavam sobre territórios indígenas. Nesse contexto, tiveram destaque as
obras da rodovia Transamazônica, que corta sete estados.
“Eles foram eliminados de várias formas
por estorvarem um projeto da ditadura. Foram vítimas por serem indígenas e
estarem ali em situação de defender a terra onde viviam”, afirma Krischke.
Camponeses também foram duramente
oprimidos, em especial os que se organizavam nas chamadas Ligas Camponesas, que
lutavam por melhores condições de vida na zona rural. Segundo dados da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), somente entre os anos de 1980 e 1981, houve cerca de
mil conflitos agrários, com mais de 1,5 milhão de pessoas vítimas de ameaças e
outras violências.
Krischke destaca que o contexto de
repressão política ampliou a criminalização da luta agrária, atingindo
fortemente os trabalhadores do campo. “Foi uma das primeiras preocupações da
ditadura, que agiu fortemente para liquidá-los”, ressalta.
Exílio
A violência dos militares provocou a
mudança de jornalistas, políticos e outros atores que se exilaram no exterior
para fugir da repressão. O Movimento Justiça e Direitos Humanos, por exemplo,
chegou a ajudar mais de 2 mil casos de pessoas ou famílias que buscaram abrigo
fora do país.
“Desde os primeiros momentos da perseguição da
ditadura, em 1964, começamos a tirar os brasileiros perseguidos e levar
especialmente para o Uruguai”, narra o presidente da entidade.
Imprensa
A opressão ao trabalho de jornalistas
também é uma marca do período. A Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça,
traçou o perfil das violações à atuação da imprensa a partir de uma amostra
selecionada para estudo.
Numa análise de 50 casos de anistia
política concedida a profissionais perseguidos, foram identificados 129
episódios de perseguição, uma média de 2,5 para cada jornalista.
“A imprensa naquela época teve muitos focos,
espaços de resistência e de atuação que procuravam avançar um pouco além da
censura, que era muito forte”, conta o pesquisador José Carlos Moreira da Silva
Filho.
Segundo o levantamento, a violação mais
presente foi o monitoramento do trabalho por parte dos órgãos de repressão, com
32,5% dos casos. Em seguida, vêm as prisões, com 23,3%, e, depois, os casos de
tortura, que representam 12,4%.
Dos processos analisados, houve
ocorrência de clandestinidade e cassação de direitos políticos a 10% dos
jornalistas pesquisados. Além disso, 9,3% acabaram exilados para fugir da
repressão.
Um dos casos mais emblemáticos é o do
jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 por agentes da ditadura. O
caso, que permanece impune, foi levado à Corte Interamericana de Direitos
Humanos e deve ser julgado nas próximas semanas.
No entanto, o pesquisador José Carlos Moreira
da Silva Filho ressalta que a grande imprensa assumiu um comportamento ambíguo
no período.
“[Ela] teve um papel de maquiar o golpe, de
emprestar veículos e recursos das próprias empresas de comunicação para os
agentes da repressão, de publicar notícias falsas que, na verdade, eram pra
encobrir assassinatos de presos políticos”, salienta.
Memória
Diante do histórico da ditadura e do
acúmulo de experiências com o tema, Jair Krischke, que é referência na luta
pelos direitos humanos, considera que o país precisa agora promover políticas
de valorização da memória histórica relacionadas à ditadura.
Ele considera fundamental a luta contra
todas as formas de opressão, para evitar novos regimes ditatoriais. “Nós temos
que produzir vacinas políticas, pra que nunca mais se repita essa tragédia que
acometeu no Brasil”, finaliza.
Edição: Thalles Gomes
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